Por qual motivo uma empresa se endivida?
Algumas pessoas dizem que a alavancagem financeira pode ser um ótimo negócio, se o juros pagos são menores que o retorno obtido sobre o capital próprio investido no processo operacional. Mas será mesmo um ótimo negócio?
Antes de iniciar o post, cito aqui as palavras de Robert Frost:
“Um banco é um estabelecimento que nos empresta um guarda-chuva num dia de sol e nos pede de volta quando começa a chover.”
A alavancagem financeira é ótima quando os ventos estão a nosso favor. O problema, é que não sabemos em qual momento os ventos seguirão para outro lado. Muitas empresas quebraram em 2008 porque viajavam em alta estrada a 180km/h, sem saber onde terminava a pista. Altamente alavancadas, renovando a dívida de curto prazo, mostrando altos retornos financeiros sobre patrimônio líquido. A coisa andou bem, até que o banco disse “não”.
Dizemos que uma empresa se alavanca quando ela obtém recursos de terceiros, como por exemplo um empréstimo bancário. Com mais dinheiro, ela investe aumentando a produção e as vendas. O lucro dispara e a empresa se sente muito confiante de que está no caminho certo. A sua contabilidade fica muito mais bonita, pois o retorno sobre o patrimônio líquido aumenta substancialmente. Vejamos um exemplo.
Suponha que a empresa ToAchando possua o seguinte balanço:
Ativos: $ 10.000,00
Passivos: $ 6.000,00
Patrimônio Líquido: $ 4.000,00
Considere que a empresa lucrou em determinado ano $ 1.000,00. Dizemos então que o retorno sobre patrimônio líquido foi de 25% (1.000,00 / 4.000,00 * 100 =25%). Para cada real investido com recurso próprio, ela obtém 0,25 centavos ao ano, um retorno acima da média para as empresas brasileiras.
Mas então um ótimo consultor financeiro diz para ela que, se ela tomar emprestado algo em torno de 4.000,00 , ela poderá aumentar a produção e expandir o lucro. Realizam alguns cálculos e conseguem identificar que o lucro será de $ 2.000,00.
Eis que após o empréstimo, seu balanço fica desta forma:
Ativos: 14.000,00
Passivos: 10.000,00
Patrimônio Líquido: 4.000,00
Vejam só. O dinheiro entrou para o caixa, aumentando o ativo. Ao mesmo tempo, criou-se uma obrigação, o que aumentou o passivo. Mas o patrimônio líquido continua em $ 4.000,00.
Mas agora, confirmando o lucro de $ 2.000,00 a empresa anuncia para seus acionistas que descobriu uma fórmula mágica e que o retorno sobre patrimônio líquido é agora de 50% (2.000,00 / 4.000,00 * 100 = 50%). Os acionistas ficam excitados com a performance operacional da empresa e a ganância cega os olhos dos administradores.
A empresa está envenenada. Como o indicador “Retorno sobre Patrimônio Líquido” é um indicador comum e muito utilizado pelos investidores, nenhum acionista gostará de ver este retorno de 50% cair. E nenhum administrador terá a coragem de sair da alavancagem. Ou seja, não há quem ouse acabar com este retorno, até mesmo porque os administradores continuam a receber os salários (independente dos riscos que a empresa está correndo).
Isto foi o que aconteceu de 2003 até o primeiro semestre de 2008. Quando o empréstimo vencia, a empresa renovava o principal e ia pagando juros, e com um sorriso, exibindo para o acionista uma ótima performance financeira, ao passo que o acionista também sorrindo, aceitava aquilo. Os espertos existirão enquanto existir aqueles que se deixam enganar.
Acontece que após o primeiro semestre de 2008, as empresas foram renovar a dívida. E como havia uma crise de crédito, os bancos não tinham dinheiro disponível. E eles então disseram “não”. Não podendo renovar a dívida, as empresas se viram numa situação de insolvência, pois não tinham caixa para quitar o principal, principalmente aquelas com um grande valor na rúbrica “Clientes a Receber”.
Ora, o combustível do envenenamento acabou. E o banco exigiu a quitação do empréstimo (lembra do guarda-chuva?). Não tendo outra opção, vão humildemente procurar consolo no Governo, através da lei de concordatas e falências.
Antes da farra, a empresa estava numa ótima situação financeira (25% de retorno real). Após a farra e a alucinação da droga Alavancageína, elas são obrigadas a diluir o valor das ações através de oferta secundária, ou a vender ativos para quitar a dívida.
Empréstimos para complementar o capital de giro por período temporário, equanto a inadimplência não é resolvida ou enquanto não entra caixa, é uma operação apreciada e até necessária. Mas se alavancar exageradamente para tentar andar na frente e embelezar os balanços, esta sim não é uma atitude inteligente.
Esta crise de 2008 será superada, mas outras virão. E as empresas continuarão a repetir seus erros ao se expor excessivamente, esquecendo da palavra “conservadorismo”.
Aos investidores, a dica é: Ao calcular o retorno, não considere o retorno sobre patrimônio líquido, mas sim o retorno sobre capital investido. Considere os empréstimos, financiamentos e debêntures de curto e longo prazo. O resultado pode mudar totalmente e você estará agindo de forma inteligente e segura.
No exemplo acima, o retorno continuaria sendo 25% mostrando a real capacidade de geração de valor da empresa.
Quanto à solvência, uma análise de Liquidez Corrente (ignorando Estoques e até mesmo A Receber de Clientes) poderia nos ajudar muito a ignorar as empresas problemáticas.
Por hora, deixo a pergunta: Você acha que novas crises demorarão? Consulte na internet o histórico de crises financeiras, veja o intervalo com que acontecem e formule sua resposta.
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